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Entrevista: uma visão prática e real do coprocessamento no Brasil

O entrevistado da vez é Jorge Hamilton Carvalho Rodrigues, engenheiro industrial químico formado em 1997 com experiência na indústria de “blendagem” de resíduos para o Coprocessamento, além de sócio fundador da empresa Certificado Ambiental Ltda, que atua na área comercial e de assessoria ambiental no tratamento de resíduos industrias em geral com foco na revalorização, bio transformação e recuperação energética.


1. Inovar. O coprocessamento ainda é proibido no estado de São Paulo? Acredita que haja a possibilidade de liberação desse veto?

Rodrigues. Essa informação não é totalmente correta. Temos no estado de São Paulo poucas plantas de cimento que queimam resíduos, ou seja, coprocessam, sim. Porém, com algumas características bem restritas que praticamente inviabilizam a ação, deixando praticamente insignificante a atividade de coprocessamento no estado. Contudo, com a multiplicação das fábricas de cimento coprocessando em todo Brasil e com os ganhos obtidos com este processo, tanto na economia de energia como na economia de matéria primas, além do grande ganho ambiental para a sociedade, acreditamos que o estado não ficará muito tempo fora desse mercado, uma vez que é o maior produtor/poluidor de resíduos do país.

2. Inovar. O número de cimenteiras licenciadas para coprocessamento no Brasil vem atendendo a demanda?

Rodrigues. Em 2015 tínhamos 57 plantas de produção de clínquer, onde 38 delas, ou seja, 67% são plantas integradas com fornos rotativos licenciados para a queima de resíduos. Se considerarmos que a demanda se encontra basicamente no estado de São Paulo e por aqui quase nada existe nesse sentido, acredito que ainda não atende a necessidade, visto o grande volume de resíduos que ainda são depositados em aterros classe 1, que é o grande concorrente do coprocessamento.

3. Inovar. É possível quantificar o volume de resíduos industriais que são encaminhados para esse fim e os segmentos que mais utilizam a solução?

Rodrigues. A ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland) estima através de pesquisa que adotou como referência os padrões internacionais, que contam com a participação de mais de 930 plantas de cimento ao redor do mundo. A Atividade cresceu cerca de 500% no Brasil entre os anos de 2000 e 2015, atingindo um patamar de 1.070.000 toneladas de resíduos coprocessados em 2015 e mais de 296.000 toneladas de pneus inservíveis também coprocessando neste mesmo ano. Os maiores segmentos que produzem resíduos para o coprocessamento são basicamente os químico e o petroquímico e seus derivados!

4. Inovar. Fala-se, há algum tempo, de empresas “aterro zero”. Em sua opinião, o coprocessamento é uma solução viável para que esse objetivo seja atingido? De que forma?

Rodrigues. Aterro Zero é um termo que veio com a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010. Porém, sabemos que este termo é uma aberração, pois ainda temos um alto volume de resíduo que vão parar nos aterros e que as plantas de “blendagem” de resíduos existentes atualmente não dão conta de todo o volume gerado pela indústria nacional. Mas o coprocessamento é sim uma das tecnologias de tratamento de resíduos que, se unidas em uma política nacional séria, chegaríamos próximos do aterro zero.

5. Inovar. Em termos puramente econômicos, o coprocessamento é uma alternativa viável e atraente às indústrias?

Rodrigues. Puramente econômica, hoje não é uma alternativa à indústria brasileira, mas com a entrada de mais cimenteiras coprocessando resíduos e o surgimento de mais “Blendeiras” (empresas que preparam o resíduos para a queima em fornos de Clínquer) pelo país, pode ser que no futuro os preços abaixem, tornando-se economicamente viável.

6. Inovar. De forma geral, quais os maiores desafios que você enxerga para que a destinação final ambientalmente correta seja uma realidade nas empresas? E para os pequenos geradores?

Rodrigues. A única forma que enxergo é uma fiscalização maciça por parte dos órgãos competentes, uma educação de base forte e o apoio econômico dos governos para as empresas de médio e pequeno porte conseguirem destinar seus resíduos de forma sustentável, sem trazer mais custos ao consumidor.

7. Inovar. Em sua opinião, a Política Nacional de Resíduos Sólidos provê mecanismos para que a adoção do coprocessamento cresça nos setores produtivos?

Rodrigues. Embora as matérias jornalísticas deixem a impressão de que a proibição de lixões é uma determinação legal nova, imposta pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, na realidade ela existe desde 1981, como uma das disposições da Política Nacional do Meio Ambiente. Esta já definia como poluição, e portanto como crime, “a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: … e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;”(Lei Federal 6.938, de 31 de agosto de 1981, artigo 3º, inciso III). Mas sempre faltou a necessária pressão legal para seu cumprimento, através de instrumentos legais complementares detalhados, estrutura de fiscalização e sistemas de informação de controle. Mesmo assim, sem qualquer planejamento público ou política de incentivo, ao longo das duas últimas décadas a iniciativa privada construiu no Brasil uma infraestrutura especializada em destinação de resíduos. Um mapeamento recente elaborado pela Abetre, focando apenas empresas privadas que prestam serviços ao mercado, conseguiu identificar 252 unidades receptoras de resíduos.

8. Inovar. Como definiria os impactos ambientais do coprocessamento? As emissões de partículas poluentes do forno de clínquer são consideráveis? Há equipamentos de controle e uma legislação que regule esse assunto?

Rodrigues. Eu defendo o coprocessamento em sua integra. É claro que temos que cuidar do processo como um todo, desde a geração dos resíduos na indústria até sua chegada aos fornos de clínquer e as emissões de partículas nas chaminés das cimenteiras. Porém, hoje em dia já temos várias tecnologias para o controle de emissão de contaminantes nas fábricas de cimentos e com um detalhe: a maioria destes equipamentos já instalados estão trabalhando online com os órgão ambientais, ou seja, qualquer desvio ocorrido dentro do forno de cimento vai ser detectado imediatamente e sem o técnico precisar estar presente na cimenteira. Isso facilita, e muito, o controle e obriga os administradores a serem mais cuidados em seus processos.

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