O mais importante instrumento de gestão de resíduos perigosos no Brasil, o sistema de logística reversa, foi criado no âmbito da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) que está em vigor desde 2010 (conforme escreveu Tiago Andrade Lima, sócio titular de direito ambiental do Queiroz Cavalcanti Advocacia, mestre em tecnologia ambiental e especialista em direito urbanístico e ambiental no site Consultor Jurídico). Este sistema, aplicável aos consumidores, comerciantes, distribuidores, importadores, fabricantes e demais atores das cadeias produtivas de produtos perigosos como baterias, pilhas, lâmpadas, agrotóxicos, óleos lubrificantes, tem por objetivo fazer retornar os resíduos pós consumo destas cadeias ao processo produtivo para reaproveitamento.
A sua implantação vem ocorrendo por meio de acordos setoriais e termos de compromisso celebrados entre o setor produtivo e o poder público, onde são ajustadas obrigações e metas para os atores de cada cadeia produtiva. Durante esse processo, com base nas experiências bem-sucedidas de países da Europa, a exemplo da Espanha, iniciou-se um processo de indução, pelo poder público, à criação de uma entidade independente que fizesse a gestão do sistema. Esta entidade, com natureza jurídica de associação, sem fins econômicos, vem sendo criada com o propósito de servir de elo entre o poder público e o setor produtivo para atender aos objetivos de cumprimento dos termos de compromisso e acordo setorial firmado pelo setor.
Porém, por se tratar de uma exigência anacrônica, haja vista que não havia norma que sequer mencionasse a figura da entidade gestora, houve desconfiança quanto a necessidade de as empresas da cadeia se associarem, e mais, de demonstrar o cumprimento de suas obrigações mediante a comprovação de regularidade perante esta entidade.
Além disso, apesar de existirem vários termos de compromisso e acordos setoriais firmados no âmbito do governo federal e dos estados, as empresas participantes do setor precisavam aderir formalmente a estes termos para se tornarem obrigadas a cumprir as obrigações ajustadas naqueles instrumentos. Esse fato diminuiu a eficácia destes pactos na medida em que as empresas que voluntariamente manifestavam interesse em aderir aos sistemas passavam a ter mais obrigações do que as que simplesmente se negavam.
Desse modo, nos meses de setembro e de outubro foram editadas duas normas de notável relevância e que trazem mais clareza, para todos os atores envolvidos, sobre a forma como deve ser implantada a logística reversa no Brasil.
A primeira delas, a Deliberação 11 de 25 de setembro de 2017 do Comitê Interministerial da PNRS – CORI (órgão criado pelo Decreto que regulamentou a PNRS), com ineditismo, fez menção a figura jurídica da entidade gestora. Segundo a Deliberação, essas entidades teriam a função de administrar a implementação e a operação do sistema de logística reversa para garantir o atingimento das metas estabelecidas, a coleta e a destinação final ambientalmente adequada dos produtos e embalagens objeto de logística reversa.
Outra questão relevante trazida pela norma foi o tratamento igualitário dispensado as empresas signatárias e não signatárias destes instrumentos. Segundo o CORI, os atores da cadeia não signatários são obrigados a implementar e operacionalizar sistemas de logística reversa com as mesmas obrigações imputadas aos signatários.
Este dispositivo, diante da sua repercussão econômica e ambiental, foi replicado no âmbito da segunda norma ora analisada, o Decreto Federal 9.177 de 23 de outubro de 2017 que determinou ainda que, em caso de descumprimento das obrigações previstas nos termos de compromisso e acordos setoriais, serão aplicadas as penalidades previstas na legislação ambiental, do mesmo modo, aos signatários e aos não signatários.
Assim, em que pese nenhuma empresa ser obrigada a estruturar seus sistemas de logística reversa por meio das entidades gestoras, na prática, a adoção de um sistema de forma individual foi praticamente inviabilizada. Isso porque, o novo marco legal deixa claro que não basta à empresa apresentar informações referentes a produção de produtos novos e ao recolhimento dos produtos inservíveis.
Os órgãos ambientais passarão a exigir da cadeia a implementação de um sistema robusto, de âmbito nacional, com acesso franqueado aos órgãos ambientais, composto ainda por um plano de comunicação, por métodos de avaliação e de monitoramento, e com controle de metas e de registros com um grau de complexidade e confiabilidade que somente será possível se implantar de forma associada, ou seja, por meio das entidades gestoras, por conta dos expressivos custos para atender às exigências, que serão rateados por meio do associativismo. Desse modo, se uma empresa quiser implantar, de maneira individualizada, o seu sistema deverá atender a, no mínimo, as mesmas regras e controles executados pela entidade gestora.
Além disso, há um movimento dos órgãos ambientais estaduais no sentido de vincular a emissão da licença ambiental à comprovação da regularidade da empresa quanto à implantação do seu sistema de logística reversa, o que deve tornar obrigatória, em curto prazo, a comprovação do sistema sob pena de embargo da atividade empresarial.
Por parte do poder público, a criação destas obrigações se mostra necessária considerando o claro objetivo de controle mais efetivo da gestão dos resíduos perigosos no Brasil. No caso das empresas haverá um custo com a implantação da logística reversa que, maior ou menor, por meio de uma entidade gestora ou de forma individualizada deverá, em alguns setores, ser repassado aos consumidores, que por sua vez, deverão sentir em médio prazo a modificação do preço destes produtos, porém em benefício do ambiente e da coletividade.