A entrevistada da vez da Inovar é a proprietária e fundadora da Biosfera Comércio e Serviços Ambientais, Cristiane Teodoro Affonso. Ela é especialista em gestão de resíduos industriais com graduação em tecnologia e gestão ambiental e empresarial. Possui, além disso, expertise em análise e remediação de áreas contaminadas.
Na conversa que você pode conferir abaixo, Cristiane traça um panorama do setor de resíduos no Brasil e é categórica ao apontar as carências e desafios que temos pela frente rumo à tão sonhada, e muitas vezes utópica, sustentabilidade. Acompanhe:
1. Inovar. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) trouxe alguma mudança significativa no gerenciamento de resíduos perigosos?
Cristiane. Acredito que sim, mas apenas para alguns setores industriais de significativos impactos ambientais, como, por exemplo, as indústrias de agrotóxicos, pilhas/baterias e lubrificantes. A PNRS ganhou força juntamente com as legislações ambientais reforçando a responsabilidade destes geradores. Enfim, houve redução bem importante de descarte inadequado destes resíduos, fazendo com que a logística reversa seja mais ativa. Porém, para outros setores e principalmente para o setor público, pouca coisa mudou, como a extinção de lixões, estímulos à coleta seletiva, logística reversa no Brasil.
2. Inovar. A indústria, em sua opinião, está seguindo à risca os preceitos da lei?
Cristiane. De forma alguma. Algumas indústrias se adaptam às legislações ambientais para evitar multas e interdições. Fazem o mínimo que podem para não serem autuadas. Infelizmente, poucas empresas têm políticas internas de gestão ambiental e conscientização em prol do meio ambiente, que não vise apenas o interesse comercial.
3. Inovar. Quando o assunto é gerenciamento de resíduos, independente do tipo ou classificação, quais as maiores dificuldades que as empresas possuem? Quais diferenciais as levam a optar por determinado parceiro para executar esse serviço?
Cristiane. A maior dificuldade acredito que seja conciliar custo x benefício, porque independentemente do tipo de resíduo, muitas vezes se agrega receita a uma grande quantidade de resíduo, que muitas vezes o gerador não tem espaço físico para armazenar ou até mesmo não gera tanta quantidade assim. Por outras vezes é a questão da logística e dificuldade de destinar todos os resíduos em um mesmo local. O que pode diferenciar na escolha de determinado parceiro de trabalho é o custo primeiramente, depois questões legais (se a empresa é licenciada e autorizada a exercer determinada atividade) e logística.
4. Inovar. Como uma empresa pode se tornar “aterro zero”, ou seja, apenas destinar corretamente os seus resíduos, sem praticar a disposição?
Cristiane. Hoje no Brasil acredito que seja uma situação utópica, pois questões ambientais e ecológicas deveriam estar enraizadas em nossa cultura. Isto não acontece. Mas, com muito empenho e dedicação, uma empresa poderia se tornar “aterro zero” a começar pela implantação de coleta seletiva e gestão global de seus resíduos. Dependendo do processo, aplicar a logística reversa, utilizar empresas de reciclagem, compostagem, incineradores ou coprocessadores no caso dos resíduos perigosos classe I, repensar seus processos para criar procedimentos que reduzam sobras e, quando houver sobras, que sejam reaproveitadas de alguma forma.
5. Inovar. A Inovar Ambiental oferece soluções para os pequenos geradores de resíduos. Acredita que o setor comercial já está ciente de suas responsabilidades?
Cristiane. Depende bastante do quanto o órgão ambiental responsável de cada região exige. Quanto maior a cobrança do setor público, mais ciente o setor fica de suas responsabilidades ambientais.
6. Inovar. No tema “áreas contaminadas”, qual o tipo de atividade que mais gera passivo ambiental?
Cristiane. Pelo menos no estado de São Paulo a maior incidência de passivo ambiental é por atividades relacionadas a armazenamento/abastecimento de combustíveis e seus derivados. Porém, qualquer atividade industrial que utilize produtos químicos diversos ou que causem danos ao meio ambiente, sem controle ambiental adequado de manuseio e armazenagem, podem ocasionar em passivo ambiental, contaminando solo e águas subterrâneas.
7. Inovar. O órgão ambiental de São Paulo, a Cetesb, possui uma lista do número de áreas contaminadas no estado. Esse tipo de controle acontece em outros lugares do Brasil?
Cristiane. Sim, este tipo de controle ocorre em outros estados. Órgãos Ambientais estaduais, similares à Cetesb, fazem este tipo de gerenciamento.
8. Inovar. Atualmente, quais as tecnologias de remediação são as mais utilizadas? Nesse quesito, o Brasil está em linha com os países mais avançados?
Cristiane. As mais utilizadas são: sistema por extração multifásica, oxidação química, sistema pump and treat, entre outras. Mas variam muito por conta do tipo de contaminação, da extensão do contaminante e se ele é DNAPL (Compostos de Fase Líquida Densa Não Aquosa) ou LNAPL (Compostos de Fase Líquida Leve Não Aquosa). O Brasil vem aprimorando técnicas para acompanhar os padrões internacionais existentes, e São Paulo está um pouco à frente, pois a Cetesb se orienta pelos padrões internacionais de sistemas de remedição para criar seus orientadores e roteiros de trabalho.
9. Inovar. Qual a sua percepção sobre o licenciamento ambiental no Brasil? Ele é criterioso o bastante? Muitas vezes o cidadão comum acha que esse tipo de atividade beneficia o empreendedor, industrial ou ruralista em detrimento da sociedade.
Cristiane. Quando a atividade ambiental tem maior impacto e risco ao meio ambiente, o critério de avaliação é muito maior e envolve uma série de estudos e levantamentos. Normalmente as avaliações são criteriosas e sempre são baseadas nas legislações pertinentes. As legislações são sempre mais favoráveis ao meio ambiente e à sociedade comum. Porém, sempre há a questão do interesse comercial e político, que pesa bastante sobre o município ou região onde se tem interesse em licenciamento ambiental de alguma atividade industrial. E sim, pode haver preferência ao empreendedor em detrimento do interesse da população comum. Infelizmente, numa briga desta, ganha quem tem mais dinheiro e poder.